Infinito Particular

"Eu não sou difícil de ler faça a sua parte, eu sou daqui eu não sou de Marte... Só não se perca ao entrar no meu Infinito Particular..." (Marisa Monte)

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sábado, 12 de abril de 2008

Recordação



Fim de tarde. O céu sem nuvens anuncia uma noite fria, mas agradável de inverno. No Arpoador, como sempre, o Sol dá agora o seu espetáculo vespertino, jogando seus compridos raios vermelhos e alaranjados em todas as direções como se espreguiçasse depois de um longo e bonito dia de inverno. Como fosse sábado diversas silhuetas se alongavam e se movimentavam entre as redes de futevôlei e beach soccer.
Sentado displicentemente num banco da orla, com olhar tranqüilo de sempre Gabriel aprecia o por-do-Sol. Fica ali parado até que o último raio se esconda no horizonte e caia a noite. Sempre fora assim: simples, sereno, de uma timidez diluída e um certo ar de mistério e indiferença, embora sempre prestando atenção em tudo a sua volta. Levanta-se, respira fundo, estica os braços, uma mania que traz da época de menino, e começa a sua caminhada. Gosta de andar pelo calçadão a essa hora nos fins de semana, de alguma forma o cheiro e a brisa do mar trazem lembranças de um passado não tão distante.
Caminha a passos tranqüilos enquanto ouve num quiosque qualquer ao longo da orla um violeiro tocar uma música (daquelas que dá vontade de parar para ouvir) especialmente para um casal de jovens que não se pode definir se são irmãos, amigos ou namorados, apenas duas pessoas que de alguma forma parecem se comunicar sem palavras apenas pelos acordes do violeiro. Isso lhe soa familiar... Para por um instante tomado por uma nostalgia que não consegue traduzir. Um aroma corta o ar reforçando a sensação de nostalgia, é como se já estivesse estado ali. Vira-se na direção do perfume. Apenas umas pessoas passam apressadas agora que começa a anoitecer e a temperatura cai. Continua a andar enquanto a doce melodia do violão vai se distanciando dos seus ouvidos, mas a sensação de nostalgia não. Revive mentalmente muitas cenas da sua vida em busca de encontrar um lugar para encaixar aquela sensação. Nada. Desiste da busca, talvez não fosse mesmo nada. Cerca de cinco anos haviam se passado desde que resolvera mudar o ruma da sua vida deixando para traz o lugar em que crescera com a certeza de que não havia mais espaço para ele ali. Tinha feito a escolha certa, estava feliz com a vida que conquistara. Cidade grande, independência, profissão...
Atravessa a avenida movimentada por carros alheios aos seus pensamentos e que parecem alheios a qualquer coisa que tenha vida. Segue em direção de casa, um confortável apartamento de frente para o mar, no caminho passa por uma pequena sala de cinema dessas que sempre estão exibindo filmes alternativos. Sempre quis parar e entrar mas nunca tinha tempo. Entra sem nem ao menos ver qual filme está sendo exibido, apenas queria, por alguma razão que não sabia qual, estar ali. Compra o bilhete e dirigi-se para a sala de exibição que está vazia, não mais que dez pessoas, o que proporciona-lhe uma agradável sensação de bem estar. Acomoda-se bem e espera. As luzes se apagam e a exibição começa. Uma montagem nacional de “A megera domada”. Não conhecia bem a obra pois nunca gostara muito de ler, mas admirava o cinema brasileiro. Percebe então que o rosto que surgia na enorme tela parece-lhe extremamente familiar. Sorri sozinho. Admira e se diverte com cada cena como se estivesse fazendo parte do filme. Quanto tempo havia passado desde que a vira pela última vez? E não havia sido numa tela de cinema. Talvez tivesse sido apenas um “oi” em meio a alguns encontros ocasionais e espaçados. Esteve tão ocupado que não percebeu que se tinham afastado. Recorda do seu sorriso, sua inquietude, seu humor que mudava a cada instante, muito parecido com o da personagem que interpretava. Ri de novo sozinho. Agora toda a nostalgia fazia sentido. O violão, a música, o cinema “cult”... Como podia ter esquecido? Como podia Ter se afastado tanto? “- As pessoa são assim mesmo” diria ela.
O filme termina e para ele é como se tivesse tido uma longa conversa com uma velha amiga. Demora a levantar-se. Tem vontade de assistir outra sessão. Tem vontade de procurar por ela apenas para dizer que está feliz por seu sucesso. Levanta-se e segue para casa. Havia tido, como tivera antes com ela, uma noite simples, mas perfeita. Mas uma coisa ainda o intriga: Ainda sente o perfume...
Fazia bastante tempo que Lissandra não via o litoral carioca. O cinema acontecera tão de repente e tivera que se dedicar tanto que mal tinha tempo para ela mesma e por isso mesmo poder passear nas areias, não tão quentes nessa época do ano, da Cidade do Rio de Janeiro era uma dádiva! Caminhava displicentemente pensando que esse seria o último fim de semana de suas féria e que logo voltaria à loucura das gravações e aos textos. A sede e a doce música tocada por um violeiro num quiosque ao longo da orla a fazem para por um instante. Um casal conversa animadamente enquanto o violeiro toca especialmente para eles. Lissandra sorri com a recordação de um passado bom... Um bar, a conversa, a música, o vinho... E aquele rosto. Podia reconhecê-lo ainda que os anos se tivessem passado. Ali parado apreciando a mesma música, a mesma de tempos atrás. Semblante calmo, corpo esguio, como puderam se afastar tanto? Talvez a ultima vez que o vira tivesse sido apenas um oi ocasional, e fazia tanto tempo...
Tem vontade de chamá-lo apenas para dizer um oi, saber como está, dizer dos seus novos planos da realização do cinema... Olha o relógio, respira fundo, veste o o casaco que trazia a mão, pois com o anoitecer a temperatura cai, e segue para o hotel onde esta hospedada. É hora de voltar para casa. Um confortável apartamento de frente para o mar...
Havia tido, como tivera antes com ele, um momento simples, mas perfeito. No caminho de casa numa sala de cinema o cartaz anuncia: “A Megera Domada”. Sorri vendo seu rosto estampado no cartaz... “ Porque não?” Pensa. Compra um bilhete e entra no cinema...
Por Vanêssa Ribeiro

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